Nas Livrarias


Ler o Mundo



NOTA INTRODUTÓRIA


Estes textos  contam, de alguma maneira, a história  da leitura, do livro e das bibliotecas no meu tempo. Como leitor, como escritor e  como  administrador cultural  conheci três ângulos diversos e complementares que me ajudaram a LER  O MUNDO.
Este é, portanto, um livro em três níveis.
Primeiro, uma seleção de  crônicas   publicadas em diversos jornais  durante várias décadas, que tornam claro  que o tema deste livro  é uma de minhas obsessões.
Noutro plano, textos de conferências e de aulas magnas nos quais tentei mesclar a teoria acadêmica  e a vivência de quem estava envolvido com projetos concretos. 
No final, o  depoimento sobre minha experiência à frente da Fundação Biblioteca Nacional (1990-1996). Ter passado por três presidentes da república, por seis ministros da cultura, ter conhecido as vísceras do poder e ter desenvolvido uma série de projetos  em âmbito nacional e internacional,  propiciaram-me  uma experiência singular. E aqui deixo sucintamente a  narração de alguns fatos que podem interessar à compreensão da história da cultura brasileira.
De algum modo  esta é a trajetória e as perplexidades  de uma geração que levou adiante os projetos de Monteiro Lobato,  Mário de Andrade, Borba de Moraes  e Paulo Freire acreditando que o livro, a leitura e a biblioteca possam transformar as pessoas e o país.



Neste livro, o autor que tem uma notável experiência na área do livro, da leitura e da biblioteca oferece um amplo painel do que é LER O MUNDO. É uma obra onde o cronista, o ensaista e o administrador cultural se articulam para ler o ontem e o hoje a partir do espaço brasileiro. Seu olhar se estende de Mulungu (Paraiba) e Morro Reuter ( RS), Faxinal do Céu (Paraná) indo  à França, Colômbia, Egito, Alemanha, Nova York, Rússia etc.
Presidente da Biblioteca Nacional durante seis anos ( tendo passado por três presidentes da república e seis ministros  da cultura), presidente do Conselho do Cerlalc ( Centro Regional do Livro e da Leitura para América Latina e o Caribe), criador do Sistema Nacional de Bibliotecas e do Proler, Affonso Romano de Sant'Anna sempre batalhou pela institucionalização de uma "política cultural". 
LER O MUNDO é uma obra em três níveis: a crônica, o ensaio e o depoimento histórico. Assinale-se logo que é também um obra transdisciplinar. Aí estão as relações entre cinema e leitura ( "Central do Brasil" ,"Ararat", Narradores de Javé,"etc.), leitura e antropologia ( "Ensinando Hamlet aos primitivos"), leitura e religião ( "Como Deus fala aos homens"), leitura e terapia ( "A cura do real pela ficção"), leitura e ecologia ( "Ler a natureza"), leitura e política ( "Biblioteca, alguns prefeitos são contra"), leitura e tecnologia (  "Leitura como  Second Life"), e outros tópicos como leitura e educacão, leitura e vida social, leitura e guerra, cultura e televisão,  mas sobretudo, a  constatação de como a leitura modifica a vida das pessoas e das comunidades.

         Na terceira parte do livro Affonso Romano de Sant'Anna registra o  que foi assumir a Biblioteca Nacional em plena crise decorrente do desmantelamento feito pelo governo Collor.  Narra como  a primeira reunião da diretoria da FBN terminou no telhado do prédio para que  seus auxiliares vissem a extensão e a profundidade dos problemas a serem enfrentados. Conta o que foi enfrentar o corporativismo retrógrado, a luta para restaurar o prédio central, conseguir novas salas em outros prédios, iniciar a recuperação do Anexo, modernizar a informática na instituição, criar até um conjunto coral e ver a frequëncia  de leitores multiplicada.  Isto além de desencadear a exportação da literatura brasileira, preparar a Feira de Frankfurt  ( Alemanha) e o Salão do Livro ( França). Pouco tempo depois de assumir a Fundação Biblioteca esta já era considerada como a instituição federal que melhor  funcionava no Rio de Janeiro e foi considerada pela Fundação Getúlio Vargas um "case" de sucesso. Pessoas que haviam roubado livros da instituição começaram a devolvê-los e aposentados se ofereciam para trabalhar de graça  na FBN.
Enfim, em LER O MUNDO Affonso Romano de Sant'Anna toca nos paradoxos da cultura brasileira: enquanto os bandidos e marginais da favela do Pereirão pediam  a expansão do Proler, o ministro da  Cultura Francisco Weffort fazia tudo para desestabilizar o programa. Nesse livro explica as causas de sua demissão ( "Que ministro é esse?"), publica editoriais dos jornais  da época (Jornal do Brasil, Globo, Correio Braziliense, Estado de São Paulo, etc) e transcreve a carta de Jose Saramago comentando sua saída de FBN.
Talvez resposta que Affonso Romano de Sant'Anna deu a James Billington, diretor da famosa Biblioteca  do Congresso dos EUA, possa sintetizar  a razão de seu sucesso  e da equipe que com ele esteve à frente da  FBN. Indagado insidiosamente pelo diretor da maior biblioteca do mundo, quais os maiores problemas na direção da Biblioteca Nacional do Brasil, ARS respondeu: "Eu não trabalho com problemas, trabalho com soluções".